terça-feira, 19 de julho de 2011

          Estava frio. Os ventos de norte-sul cruzavam com os do leste-oeste; por todos os lados, sopravam na minha face. Eu, na tentativa de ajeitar o echarpe que voava junto ao meu cabelo, dando chicotadas sob meus olhos, deixei escapar por alguns segundos os materiais que estavam em minhas mãos. Eram pequenos livros e algumas recordações; estava agarrado às minhas mãos com tal força que meus dedos se espremiam e faziam movimentos de cima a baixo para contar o número de materiais presos a mim (só para me certificar de que todos estavam ali).
        De repente, sinto o alívio do peso sobre meus braços somando-se ao barulho dos livros caindo no chão. Mas que droga! Uma parte de mim estava ali, junto aos meus pés, que só por um momento de descuido, escorregou.
        Por causa da gravidade, meus livros tão debilitados se esborracharam naquele chão gelado e úmido.E como de um súbito, peguei-os instantaneamente.
        Apesar de, na percepção alheia, ser apenas objetos, era uma das poucas coisas que me fazia bem. Olhar cada página daqueles livros era como se definisse a minha vida; voltasse à minha infância. Era como se estivessem descrevendo a mim. Como era possível me identificar tanto com aquelas páginas velhas e amareladas?
       As cartas e as fotos que se misturavam às páginas dobradas de tanto serem lidas eram as únicas lembranças dos meus melhores amigos ou "adivinhas" - era assim que eu os chamava, porque sempre sabiam o que se passava comigo. Quando as lia, entrava no túnel do tempo: de quando brincávamos juntos; de quando ríamos juntos. E cada palavra ali escrita, me confortava por saber que tive realmente amigos, e o principal de tudo: gostavam de mim.
       Eu sei que palavras são só palavras, mas aquelas ali não eram apenas vocabulários... Tudo descrito no papel era reflexo dos bons momentos que vivemos e dos poucos sufocos que chegamos a enfrentar um ao lado do outro.
       Poucos porque, da última vez, não me deixaram chegar mais perto. Depois que os irmãos Paula e Rafael resolveram morar fora – do nada, sem eu nem saber antes - as cartas eram o único meio de comunicação entre eu e eles. Tentei visitá-los muitas vezes, mas tanto eles quanto seus pais não queriam me receber. Eu não entendia o porquê daquilo, mas respeitava e sabia que não tinha mudado nada entre nós. Absolutamente nada. Só existia algo estranho; algo que não poderia ser descoberto. Eu só não entendo porque eles não me contaram. Eu não era tão dígna de confiança assim?
      Passaram-se semanas, meses e anos. Até que um dia eu passei a não receber mais nada. Não soube notícias, não sei o que aconteceu, nada. Nem se ainda estão vivos, pois as últimas cartas que enviei não tive retorno. Não sei o que a vida preparou para aquela família e nem o rumo que ela tomou. Eu sei que o destino nos separou. E o que me mata é o fato de não saber o que realmente se passou e o motivo daquele sumiço. Por isso já pensei até em correr atrás deles, mas ainda não sou independente e minha mãe não me deixaria ir, sabendo que não tinha sinal de vida deles por lá.
      Ali, deixei escapar os meus melhores amigos. Devia ter insistido, procurado saber um pouco mais, quando voltariam... Deveria impedir aquela distância toda! Rs.
     Eu dou risada. Mas isso não é motivo de gozo. Por trás desse riso, se esconde muito choro. Eu realmente deveria ter arrumado artifícios para impedí-los de se afastarem de mim; eles eram as poucas pessoas que me entendiam e acho difícil que um outro alguém me entenda hoje.
     Assim como anos atrás, deixei escapar pela segunda vez essa parte de mim; lembranças que me confortavam de alguma forma. Parecia que um turbilhão de imagens e frases vinham na minha mente, exatamente quando observava os livros próximos aos meus pés, todo aberto... agilizando ainda mais o seu processo de envelhecimento.
     Pela segunda vez, deixei escapar das minhas mãos aquilo que só me trazia coisas boas e fazia parte da minha história de vida.
     Peguei os livros debruçados no asfalto, catei as fotos, cartas, limpei-os com todo amor e toda a raiva pelo momento de descuido. Na volta para a casa, andei pensando em reformá-los, colar um durex nas partes imperfeitas, já soltas... E andei pensando no meu caso. Mas o durex não serviria pra mim. Ele só ia resolver o problema daqueles adoráveis objetos e o meu coração, não. Nele tem um buraco, incapaz de ser tapado, regenerado, reformado ou colado por um durex – uma simples fita transparente que fica por baixo das coisas, ajudando a prender aquilo que pode ser solto a qualquer momento.
     Eu não queria aquilo, não quero mascarar as coisas; e nem tinha como. Quem deixou esse buraco, se foi... Foi a partir do momento em que saíram daqui e não voltaram mais.


Por: Amanda

Obs: Já que me perguntaram se o que tinha nesse texto era verdade, quero deixar claro que isso foi uma invenção minha, não um fato real. Acho que me inspirei no dia do amigo antecipadamente, sem me dar conta de que era no dia seguinte (dia 20). rs. Beijos!

3 comentários:

  1. A amizade tem um poder surpreendente !!!

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  2. Uau...! Por um momento pensei que essa história fosse real.
    Mas ela não descarta hipóteses de ter acontecido na vida de outras pessoas.
    Realmente, uma fita adesiva não segura, não cola, não tapa buraco da alma de ninguém.
    Mas o que ajuda a cicatrizar todas essas feridas é a esperança. QUEM SABE PAULA E RAFAEL voltam?
    Nunca é tarde de mais para ter esperança.

    Beijo minha autora predileta.
    :*

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  3. Você é surpreendente menina! Tenho orgulho em ser sua amiga. Bjusss

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