quinta-feira, 10 de novembro de 2011

3D: domingo, desordem e desastre

      Domingo e chuva - eis duas palavras que se resumem ao tédio. Não havia nada de interessante para acrescentar naquele longo dia, por que dia de domingo sem nada pra fazer, vou te contar... É tão longo quanto sua chatice. Por isso que odeio esse dia.
       Um filme com pipoca não servia.  Isso é bom quando se tem uma companhia (e não precisa ser um alguém do sexo oposto), mas nem isso eu tinha naquele domingo. “Quem mandou morar onde o vento faz a curva?”, foi o que me disseram uma vez.
      Um café ou um chocolate quente, acompanhada de um travesseiro e um belo cafuné seria uma ótima pedida, mas isso também requeria parceria e, nesse caso, com certeza teria de ser uma pessoa do gênero oposto. Escolha, não: exigência. O cafuné era um trabalho a ser realizado por mãos jamais confundidas com as de uma mulher.
       Mas como tinha visto que essas opções estavam descartadas e veio aquela preguiça de pensar em outra possibilidade de me distrair, fui resolver meu problema na cama.
       Estava tentando de alguma forma me concentrar com o barulho suave da chuva caindo lá fora, o cheiro de terra úmida que exalava no quarto e o zunido grotesco do motor dos carros transitando na rua. Era algo tão aconchegante, o meu corpo esquentando lugares situados da cama, que quando mudava de posição sentia a outra parte totalmente gelada.
       Eu não teria vontade de levantar dali, se não fosse o susto tomado ao ouvir o que parecia ser um bando de mulheres com uma entonação da voz totalmente alterada e nervosa no corredor. Não precisava me dar o trabalho de abrir a porta pra saber o que era, pois o barulho vinha bem do apartamento ao lado e sobressaia com todo eco na minha porta. Minha vizinha tem problemas com o marido, e acredito que não era só ela berrando desesperadamente aquelas palavras de insulto.
      Quando me mudei pra cá, eles até pareciam ser um casal feliz, mas era só a aparência mesmo. Saiam sempre com um sorriso estampado no rosto como uma “família feliz”, uma pena aqueles gestos tão sutis serem só uma máscara para esconder a infelicidade do casamento. Muita coisa ficou estranha, muitos barulhos vinham daquela parede colada a minha. E nem venha me criticar; seria surda se não ouvisse daqui! Bem que meu santo não batia com o dele...
     
Sinceramente, acho que não ia agüentar viver daquele jeito por muito tempo. Homem grosso e estúpido não merece uma mulher, mas sim, uma qualquer: sem vez, sem lei, pra sentir na pele o que é ser um homem de verdade. Babacas. 
      As mulheres em geral pedem um alguém para amadurecer e envelhecer com elas; um alguém para ter de aturar as manias da idade, não um velho estúpido. Mulheres pedem um marido, não um “trouxa” que se acha no direito de ocupar o lugar de nossos pais – no sentido de nos punir fisicamente (e isso são os pais de antes, porque hoje existe o estatuto da criança e do adolescente para nos “proteger”). E se ela não sabe, existe a lei Maria da Penha também pra colocar a lei do nosso lado, como dizem por aí.
      No meio daquela confusão toda, mulheres gritando ao mesmo tempo e uma voz grossa tentando tomar seu lugar no espaço, percebi que a minha participação ali era perda de tempo. Quem era eu pra abrir a porta e me intrometer numa briga de casal? Pobre de mim... Ia receber um sopapo no meio da cara e sentir na pele aquele ditado de que “briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Seria um esforço inútil, porque eu sabia o final da história: a esposa continuaria no seu lugar de submissa às atitudes do marido e eu ficaria taxada como a “intrometida moradora recém-chegada”. Só eu ia me dar mal. Se ao menos soubesse que ela realmente iria tomar uma atitude radical, a altura...
        Estava na cozinha enquanto chegava a essa conclusão, e logo não medi esforços para voltar ao meu aconchegante recinto do qual jamais deveria ter saído. O meu lugar era ali, na cama.
       Custei pra pegar no sono com aquela parafernália toda. Tive que agarrá-lo com força, porque parecia que ele tava fugindo de mim. E, em poucos minutos, meu corpo parecia não estar mais naquele quarto, naquele apartamento - e posso te garantir que era um lugar muito melhor. Longe da negatividade presente no corredor, longe da discussão de marido e mulher, longe de tudo e todos. Nem eu sabia onde estava e nem me importava com isso. Mas logo meu sonho parecia estar tomando um rumo estranho, como se tivesse se transformando em um pesadelo. Deparava-me com pessoa gritando; estava presa em um lugar escuro, ouvia vozes, músicas, uns toques parecidos com os de um celular ou um interfone, um mau cheiro de algo queimando... Tudo ao mesmo tempo. Sentia meus braços serem apertados de tal forma, que não conseguia movê-los. Eu queria correr, gritar, chorar, mas não conseguia fazer nada e, depois de um pouco dessa tortura, consegui me livrar daquele lugar traiçoeiro – no começo, flores; no final, um inferninho.
        O grito preso à minha garganta que não conseguia soltar no sonho (ou pesadelo, sei lá) veio com todo estrondo no meu despertar. Também né, dei de cara com dois olhos arregalados e uma voz a ponto de estourar meus tímpanos! Ali eu percebi que a dor no braço era real, realmente estavam me apertando. Por sorte, era só meu irmão me acordando, que eu não sabia se agradecia ou se dava socos por ele ter me acordado daquele jeito. 
Mas, espera ai... Por que ele estava desesperado? 
      A fumaça vinda da direção do corredor e sua olhada torta com a intenção de crítica já respondiam essa pergunta que nem fiz questão de soltar, antes que ele voasse no meu pescoço (era bem capaz, com aquele olhar de raiva). O pior é que ele tinha razão, eu fui uma estúpida ao dormir com uma panela no fogo. Os barulhos escutados naquele lugar estranho no qual me encontrava não era engano, os vizinhos realmente devem ter entrado em pânico.
     Quando fui à sala, todos estavam lá: a namorada do meu irmão (não a considero como minha cunhada; ela é só dele, aquela insuportável), o porteiro, as vizinhas do corredor... E olhe só... o casalzinho que me deixou atormentada também estava partilhando da minha vida – e se quer saber, pareciam muito felizes naquele momento, rindo da miséria alheia. 
'O casal fez as pazes', acho que já vi essa novela antes... Na minha frente tive a confirmação de que todo aquele “show” feito horas atrás não surtiu grandes efeitos, e então percebi o quanto a minha conclusão estava certa.  
       Ver todos ali me olhando não me deixou constrangida, talvez por causa
 do alívio em saber que a minha condição de otária não era permanente; eu poderia, naquele momento, ter sido taxada dessa forma, ao contrário deles... Deles não, ao contrário dela, que será rotulada como otária sempre.

Por: Amanda